domingo, 7 de setembro de 2014

ALAMEDA BOTAFOGO - PARTE 5/5

Uma triste melodia chegava até a pequena sala na Alameda Botafogo.
O canto triste era entoado por uma pequeno pássaro preso em um relógio cuco.
A sala estava organizada, tudo havia sido recolocado em seus devidos lugares e Larissa, que continuava deitada no chão, observava o teto com um olhar perdido e sem brilho.
O pequeno pássaro continuava a cantar sua triste melodia. O sol se escondia lentamente e as luzes dos postes começavam a se acender.
Larissa se levantou lentamente, seu corpo doía. Olho para as cortinas e elas dançavam com a brisa que o anoitecer trazia. Caminhou até as cortinas e abriu para respirar um pouco de ar fresco; viu várias crianças brincando no playground e um pouco mais distante esta Diorgenes, sentando em uma mureta com uma faixa na cabeça.
- Eu o conheço de algum lugar? - disse para si mesma.
Diorgenes olhou para a janela do terceiro andar por alguns instantes e voltou sua atenção para o livro que possuía nas mãos.
Larissa caminhou até o relógio cuco e abriu a portinha onde estava preso o pequeno pássaro, estendeu sua mão para pegá-lo, mas foi surpreendida com uma bicada do pássaro que voo pela janela cantando sua triste melodia. Larissa observou o pássaro voar e sentiu vontade de fazer. Cortou a tela de proteção, subiu em sua janela e se jogou para a eternidade em um voo sereno. Sentiu o vento tocar seu rosto. A sensação de liberdade ao voar era impressionante, Larissa sorriu e bateu ainda mais suas asas, subindo cada vez mais e mais. Viu ao longe o sol se pondo entre colinas e dominando o horizonte com suas cores quentes e forte, Larissa sorriu novamente, observou parada no ar o espetáculo que a natureza estava proporcionando.
Larissa bateu suas asas novamente e subiu mais e mais. Subiu livre de medos e anseios. Subiu para olhar as estrelas, queria tocá-las. Bateu suas asas ainda mais forte e mais rápido, as estrelas estavam logo ali, Larissa quase podia alcançá-las, era questão mais algumas batidas de asas e lá estaria ela, tocando as estrelas como sempre sonhara. E Larissa bateu suas asas mais e mais forte, mas as forças estavam se acabando. Esticou seus braços para tocar as estrelas, mas suas mãos não alcançaram e elas começaram a ficar longe, cada vez mais longe. O vento começou a soprar forte em seu rosto. Viu vários pássaros voando ao seu redor. Eles cantavam.
- Por que vocês cantam?
Eles continuaram a cantar em volta de Larissa que chorando começou a cantar. A triste música que Larissa conhecia tão bem agora era cantada por ela própria e acompanhada por vários pássaros que a seguiam nesse momento.
Larissa continuou a canção. Começou a sentir frio e a relembrar os velhos tempos de escola. Lembrou também da família e de vários almoços que perdera. Lembrou dos amigos, ex-namorados. Lembrou das vizinhas e das viagens que havia feito. Lembrou do seu vestido de debutante. A formatura havia sido um sucesso. Lembrou do seu primeiro amor. Lembrou-se de quem era, mas já não havia mais tempo.
- SOCORRO! SOCORRO! SOCORRO! - começaram a gritar as crianças no playground.
Diorgenes correu para junto do corpo de Larissa, mas já não havia mais vida ali. Escutou as sirenes ficarem cada vez mais fortes e viu as luzes vermelhas chegarem.
- Abrão espaço! Abrão espaço! - dizia uma voz feminina.
- Ela caiu moço - disse uma criança para o paramédico - ela caiu da janela.
O paramédico olhou pela janela e viu a cortina dançar levemente com a brisa daquele anoitecer.
- Já não há mais o que fazer aqui. - disse a voz feminina mais uma vez.

- Rubens, encontrei uma carta aqui na cabeceira da cama e esta endereçada para... Senhor dos tempos.
- Senhor dos tempos? Quem é esse individuo? - perguntou Rubens - leia por favor.

"Já não há mais tempo para viver, porque viver nos toma muito tempo e nós não temos tempo para isso.
Não quero ser a pessoa que irá tomar o seu tempo tentando viver em um tempo em que é muito importante ter um tempo para se ter um tempo. Tanto tempo que gastamos pensando em como viveríamos se tivéssemos tempo para viver, mas não temos mais esse tempo pra perder.
O tempo é precioso e por isso somos tão pobres espiritualmente, porque nunca temos tempo.
Não temos tempo para os amigos, não temos tempo para os namorados e familiares, não temos tempo para nós.
Sinto falta do tempo em que o tempo era desfrutado. Sinto falta do tempo em que matar o tempo era bom, gostoso. Sinto falta do tempo em que arrumávamos tempo para conversar sobre o tempo que passou, sobre o tempo em que vivíamos e o sobre o tempo que estava por vir. Sinto falta desse tempo.
Sendo assim Senhor do tempo, peço que me arrume um tempo dentro de pouco tempo e que seja um tempo bom, um tempo pra mim."