quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

DO LADO DE LÁ DA VIDA

Caminhei por entre os mortos e os vivos, senti frio, sede, fome e medo. Vi vidas sendo levadas de tantas maneiras que cheguei a conclusão de que não há um porque da própria vida. Me senti um nada em meio os escombros de uma guerra que eu mesmo havia criado.
Sofrer em vida não havia sido o suficiente para mim. Provocar a morte, a dor e a miséria era o que mais me excitava. Era feliz vendo o sofrimento de outrem. Era divertido ver pessoas se rastejando e implorando piedade de mãos duras e rígidas. Aquela dor me satisfazia de uma maneira tão intrigante que eu queria sempre mais e mais, a cada novo dia eu sai para caçar e fazer o medo se manifestar da maneira mais cruel possível. Eu tinha essa necessidade, esse desejo.
A vida me fez sorrir, porém a morte me fez agonizar por muitos e muitos anos; talvez bem mais do que eu queria e bem menos do que merecia.
Senti em meu corpo toda a dor que havia provocado. Tive medo. Sofri em mãos impiedosas. Fui tratado pior do que tratava meus animais. Fui tratado como um lixo, um nada.
O tempo foi passando e minhas feridas crescendo cada vez mais. Meu corpo já não suportava seu próprio peso. Me rasteja pela ruas imundas daquele cidade em que habitava. Bebi da mesma água que os porcos, comi do mesmo lugar que os cachorros. Chorei; chorei e adormeci. Sonhei com os tempos do exército. Meus soldados marchando no símbolo daquela capital. Havíamos chegado no topo. Subimos para a glória e para a purificação de uma história que estava se perdendo. Sorri e acordei em meio ao lixo. Chorei e pedi com o coração a salvação. Já não queria mais estar ali. Pedi piedade daquela mão que me açoitava. Pedi ajuda a Deus. Entreguei meu coração e minha vida nas mãos de Deus e foi a primeira vez em minha vida que fiz uma oração. Orei com fé e esperando algo bom acontecer. Orei e Deus me ouviu. Como que em um filme, vi a luz surgindo em meio a escuridão e duas jovens negras caminhavam em minha direção com um sorriso no rosto e as mãos estendidas. As jovens moças vestiam roupas claras e alegres, muito diferentes das que as mulheres em minha cidade eram obrigadas a usarem. Me senti constrangido por isso. Como poderiam pessoas negras me ajudarem depois de tanto mal que eu havia causado? Como poderiam? Chorei. As jovens moças me acolheram em seus braços e me carregaram para longe do lixo e da escuridão. Me levaram para um lugar cheio de luz e alegria. Trataram minhas feridas. Me alimentaram. Me deram água para beber. Adormeci.
Sonhei com anjos. Um voo sobre o planeta Terra em alta velocidade mas que me permitia ver claramente todos os males que ali estavam. Me senti culpado e comecei a voar cada vez mais e mais alto, até não ver mais a dor e o sofrimento que eu havia causado, mas eu sabia que fugir não iria mudar o que eu havia feito, a dor e o medo continuavam lá. Chorei e acordei.
Enfermeiros correram para me acalmar e me dizer que estava tudo tem, que era normal e que, se eu quisesse, eu poderia ajudar a transformar aquela situação um dia. Eis que os dias foram passando e hoje estou aqui, relatando um pouco sobre o que me aconteceu depois que desencarnei. 
Um dia terei que reencarnar novamente, mas enquanto esse dia não chega, eu vou estudando e aprendendo o que é o amor, a compaixão e a fraternidade. Descobri aqui que sim, somos irmãos e que não será a cor da pele, a nacionalidade ou a classe social que irá mudar isso. Aprendi que a paz é muito mais valiosa que qualquer guerra e que nenhuma guerra irá construir um mundo mais justo e nobre, pelo contrário, a guerra só ira romper as pontes que existem entre os povos e afundá-los na mais escura sombra de dor, medo e solidão.
Se o medo chegar, enfrente-o com amor. porque só o amor constrói.

P.S A luz guia todos aqueles que procuram sair da escuridão.